A palavra "realengo" tem a sua origem no latim vulgar "realengu", e tanto pode significar aquilo que pertence ou é relativo ao rei ou a realeza ou próprio dele ou dela, como também aquilo que é publico, "sem dono". O saudoso professor Helton Veloso, fundador do Colégio Belizário dos Santos, de Campo Grande, que era também um pesquisador da Historia da Zona Oeste, preferia explicar a denominação do geonomastico como junção da palavra "real" com a abreviatura de "engenho" (Eng°), bastante usual nos séculos passados. Realengo fazia parte da jurisdição da Freguesia de Nossa Senhora do Desterro de Campo Grande desde a sua criação em 1673. Somente em 1926, com a assinatura do Decreto n° 2.479, de 11 de novembro, foi instituído oficialmente o distrito de Realengo.
As terras realengas
As chamadas terras realengas eram públicas. Não podiam ser doadas como foram sesmarias de Cristovão Monteiro, em Santa Cruz, que passaram a propriedade da companhia de Jesus. Eram "realengas", e por isso mesmo destinavam-se à engorda do gado. Ainda assim. "alguns terrenos já haviam sido invadidos por particulares antes de 1660, ano em que os provimentos de Correições definiram como bens do Conselho para uso público e Campo Grande e o Campo de Irajá, conforme Fania Fridman, em seu recente livro "Donos do Rio em nome do Rei - Uma historia fundiária da cidade do Rio de Janeiro" . em co-edição da Zahar com a garamond. " O Alvará é bom que se entenda, era uma espécie de resolução soberana referendada pelo ministro competente a respeito de negócios públicos ou particulares, em geral de efeito temporário. O termo colativo referia-se ao beneficio eclesiático vitalício da então Freguesia Nossa Senhora do Desterro a qual jurisdição estavam inclusas as terras realengas. Estas não poderiam ser alienadas e muito menos transmitidas aos herdeiros, no entanto ficava autorizada a venda em leilão publico com preços estimados judicialmente. Ainda de acordo com Fridman, " pela provisão de 18 de Julho de 1814 e pela portaria de 29 de dezembro de 1815 foram conservadas as casas e terrenos de dez famílias nas terras realengas. Nesta época estabeleceram-se vendas e ranchos até que, em Agosto de 1825, a Câmara, preocupada com os abusos, mandou realizar um vistoria e concordou em manter somente aqueles que pudessem apresentar seus títulos ou que estivessem á beira da estrada, pelo lado direito. Ficou determinado que: 1) seus terrenos não poderiam exceder 30 braças de testada com vinte de fundos; 2)não seriam permitidas novas invasões; 3) houvesse um intervalo de cinquenta braças entre os moradores; 4) este intervalo deveria ser mantido limpo; 5) o foro seria fixado em 200 réis para cada braça de testada. destaquemos que foi mantida a posse de Francisco Joaquim de Menezes , com 65 braças de testada por 50 de fundos, e proibida a utilização para pastagem da parte da sesmaria localizada na Capoeira". O livro de Fania Fridman vem ilustrado com varias plantas de Realengo.
Que nos possibilita visualizar a evolução urbanística daquela área da atual Zona Oeste, que já no inicio da segunda metade do século XIX, iria ocupar um papel destacado no cenário militar. "Em 1857, estas terras, de meia légua e reservadas para pastagem, tornaram-se propriedade da Câmara Municipal. Uma comissão constituída para realizar um planta estabeleceu que todos os foreiros deveriam tirar novas cartas. Foi verificado que 19 prazos possuíam 30 braças de testada, oito com frente variando entre 60 e 130 braças e os demais medindo apenas de 5 a 28 braças. o governo comprou algumas posses para a construção de um aquartelamento militar. o Campo do Marte onde incluía uma Escola de Tiro e a Imperial Academia Militar, estabelecido em 1859. O Realengo foi retalhado, dividindo em quadras regulares estabelecidas ao redor de dois campos e nestas mas os terrenos foram aforados. (...) O Ministério da Guerra construiu um chafariz e encanou a água do Rio Piraquara até o centro do arraial. (...)
“O processo de ocupação transformou o Realengo de Campo Grande em uma zona militar cujo ápice foi o estabelecimento da Escola Preparatória e de Tática e do 1º Batalhão de Engenheiros em 1897. No Largo foram construídas moradias dos operários da Fábrica. Esta mudança de uso, de um povoado agrícola para uma localidade residencial, industrial e de serviços, implicou um processo de urbanização e de valorização fundiária cuja marca foi a de Ter sido empreendido pelo Estado”, acrescenta Fridman.
A Escola de Tiro de Campo Grande
Na verdade deveria chamar-se Escola de tiro do Realengo ( ou pelo menos do Realengo e Campo Grande), uma vez que suas instalações se encontravam nas proximidades do Campo do Marte. Este estabelecimento militar, criado em 1859, fazia parte da pequena rede escolar do Exercito e tinha como finalidade " ensinar o jogo e o tratamento das diferentes armas de fogo e a adestrar oficiais e soldados nas regras práticas do tiro", conforme Decreto 2.42, de 18 de maio de 1858, citado por Jehovah Motta, no livro "formação do Oficial do Exército". O autor desde a metade do século XIX, os nossos chefes militares, ou pelo menos alguns deles, sentiram com acuidade o problema do ensino militar, quiseram no prático e objetivo, bem amarrado a sua destinação especifica" " Assim foi quando imaginaram e criaram a Escola de Tiro de Campo Grande, destinada a fazer tenentes e sargentos conhecedores do armamento e hábeis no tiro, capazes portanto, de como instrutores e monitores, elevar o nível de adestramento da tropa." A Escola de Tiro de Campo Grande encerrou suas atividades em 1865, no mesmo ano em que a Escola Militar da Praia Vermelha ficava reduzida apenas ao curso preparatório, talvez em decorrência aos esforços de guerra, tendo em vista o inicio do conflito com o Paraguai, que somente terminaria cinco anos depois.
Escola Preparatória e de Tática do Realengo
Foi inaugurada em 5 de Junho de 1898. Era destinada ao ensino teórico e prático do curso preparatório para a matricula na Escola Militar do Brasil, sendo frequentada por oficiais e praças de pré do Exército. De acordo com Jehovah Motta, " O pouco que se conseguiu no fortalecimento do ensino técnico-militar e, não correu por conta da Escola Militar do Brasil e sim pelas escolas "preparatórias e de tática" , no Realengo e no Rio Pardo. Não que nestas o "ensino prático" tivesse atingido elevado grau de eficiência, mas de qualquer forma algo se fazia. "O General Leitão de Carvalho foi aluno no Realengo, entre 1898 e 1900, e assim depões. "Sem que atingissem o nivél desejado, as atividades escolares, no 2° ano, melhoraram sensivelmente. Recebendo armamento, o Corpo de Alunos assumiu caráter militar. Começamos a praticar o tiro ao Alvo. Isso sem preparação prévia quanto ao conhecimento do manejo e das qualidades balísticas da arma. O ensino prático pouco a pouco foi tomando forma, com a introdução de algumas novidades, além dos exercícios de ordem unida, completados por marchas e evoluções - mudanças de posição dos elementos constitutivos das unidades, sem objetivo tático - espécie de quadrilha , sem os pares e a música. Uma dessas novidades foi a esgrima de baioneta". (citação de Leitão de Carvalho in "Memórias de um Soldado Legalista v.1. p.22-25). Sobre o prédio onde funcionava a Escola preparatória e de tática do Realengo, Noronha Santos observa: "Funciona em um belo edifício no Campo de Marte, há poucos anos constuido para o quartel de infantaria. Possui vastas acomodações: tem 90,52 m de frente e 101,60m de fundos. O portão principal tem 2,50 m de largura. Situada a direita do leito da estrada de ferro, do lado oposto da estação do Realengo. No edifício da Escola a linha da estrada distam 22.50m.
No pavimento térreo, ficam, para o campo exterior, treze janelas em cada lance, e no pavimento superior, cinco janelas de sacadas. Todo o estabelecimento é iluminado a luz elétrica, existindo no pátio um grande foco de luz. Antes de ser criada a Escola Preparatória e de Tática, esteve aquartelada nesse edifício a Escola de Tiro, extinta em 1897, por ato do governo. As quatro companhias de alunos ocupam igual número de alojamento, ficando do lado direito do edifício a 1ª e 2ª companhias e do lado esquerdo a
3ª e 4ª companhias. Durante a revolta aquartelou no edifício um contingente de guardas nacionais".
O autor das notas do livro " as Freguesias do Rio Antigo vistas por Noronha dos Santos", Paulo Berger, acrescenta que , "com a eclosão , em 14 de novembro de 1904, de um movimento sedicioso politico-militar originário na escola Militar do Brasil da praia Vermelha, por motivo da decretação da vacina obrigatória pelo Governo, e com apoio de grande parte dos alunos da Escola Preparatória e tática do Realengo, houve um colapso nesta instituição de ensino militar, dando-se o seu encerramento."
Posteriormente - acrescenta Berger - , impõe-se a reorganização imediata do ensino militar, e pelo Decreto n° 5.698, de 2 de Outubro de 1905, transforma-se a Escola Preparatória e de Tatica do Realengo em Escola de Artilharia e Engenharia, Escola de Aplicação de Cavalaria e infantaria, e Escola de Aplicação e Engenharia. Em 1911 a Escola de Guerra de Porto Alegre, é transferida para o Realengo, com extinção da Escola de Aplicação de Infantaria e Cavalaria.”
Recordações do Realengo
O General Lobato Filho, autor do livro "A Ultima noite da Escola Militar da Praia Vermelha", dedica uma boa parte da sua obra para falar do Realengo, o qual trata como "triste subúrbio", "Ao chegarem ao Realengo começavam as despedidas. Surgia, então, um pouco de sentimentalismo. Aquela despedida aos velhos companheiros do Realengo era feita sob forte emoção e fazia nascer no intimo do novo cadete do curso superior uma grande saudade. Era como se os cadetes, ao deixarem a Escola preparatória, a absolvessem de dotas as maldades que ela lhes houvesse feito. " Daquele momento em diante o novo cadete da Praia Vermelha passava a ter recordações da vida um pouco menos brilhante, mas nem por isso desinteressante, passada nas Escolas Preparatórias. ninguém poderia esquecer, por exemplo, a noite silenciosa, de luar prateado, no Realengo, em que, altas horas, mesmo de madrugada, quebrando a solidão daquele triste subúrbio, vem chegando até a Escola os sons dolentes e muito sentimentais de uma linda serenata (o violão, a flauta e a voz harmoniosa do trovador, ouvidos muito de longe, lá do fim de uma daquelas estradas vindas da Serra do Barata, do lados de Bangu ou de outros lugarejos onde se realizara algo de interessante para a mocidade, e vem se aproximando vagarosamente da Escola, remexendo os corações dos cadetes os quais, muito mais amigos da Álgebra, da geometria e da Trigonometria do que dos violões, das flautas e dos trovadores, terminando os seus estudos da noite, estavam já mergulhados em sono profundo."
Mais adiante, Lobato Filho faz a pro-memória dos passeios pela antiga Zona Rural: "Muitos guardariam também recordações dos adoráveis piqueniques na Caixa D´água ou na velha fazenda do Gericinó que naquele tempo era somente uma velha fazenda, pois ainda não fora transformada no vasto Campo de Instrução. Para esses passeios aproveitavam-se as combinações de dias feriados e domingos e lá saiam, geralmente alta noite, as grandes caravanas conduzindo os enormes volumes chamados "pianos", contendo aprovisionamentos que eram conseguidos na própria Escola, com autorização do Comando, por conta das etapas dos componentes dos piqueniques. Eram gozados em Gericinó dias de vida campestre, livres das formaturas e, sobretudo, do famigerado toque de lavatório das 4 1/2 da madrugada. os piqueniques levavam sempre uma turma de seresteiros."
"Outros guardariam saudosas recordações das Repúblicas espalhadas pelo Realengo, formadas pelos felizardos cadetes que logravam um desarranchamento e permissão para residir fora da Escola. Eles ostentavam nomes impressionantes: Cabana de Arakém, de visitas e alegres palestras nas horas de descanso e aos domingos."
" O Realengo - continua Lobato Filho - não possuía esse benéfico aspecto (referindo-se ao orgulho manifestado pelos cadetes de Rio Pardo, ao reencontrarem seus notáveis professores na Praia Vermelha), pois eram um lugar onde não se formou nunca uma sociedade de famílias civis nem militares, não obstante existirem ai três grandes estabelecimentos: a Escola, a Fabrica de Cartuchos, o 1° Batalhão de Engenharia. Mas os respectivos professores, oficiais e funcionários residiam na cidade e só permaneciam no Realengo durante as suas poucas horas de trabalho. O Realengo era uma espécie de lugar indesejável", acrescenta o autor.
Mesmo diante dos cáusticos comentários sobre o Realengo, o autor de "A ultima noite da Escola Militar da Praia Vermelha", reserva algumas passagens do seu livro para falar de passagens pitorescas, durante a sua jornada trienal na antiga Escola Preparatória do Realengo.
Merecem um parágrafo especial, no que se refere ás recordações do Realengo, certos fatos talvez um tanto escabrosos que muitos cadetes haviam de querer varrer do espírito, considerando-os como ocorrências do passado, mas que não deixaram de se apresentar, no momento em que as reminiscências não se escondem.
" Uma dessas coisas um tanto escabrosas era o Miguel das Laranjas ou Miguel das Suissas, com as suas dezenas de cadernos de contas velhas e novas, mas todos sabiam que os seus prejuízos não eram muito avultados pois já havia ele acrescido ao preço do custo uma bem grande percentagem de lucro. Ademais, O Miguel gozava das boas palestras dos cadetes.
Outra, era o Sans Souci, o célebre e restaurante do Mário que depenava os cadetes com os seus preços arbitrários; mas o Sans Souci era uma defesa contra o rancho da Escola." Quem também se refere ao Restaurante Sans Souci, é João de Abreu Lins, no seu livro intitulado "Memórias do Realengo", editado pelo Governo do Estado de São Paulo, em 1984.
" Era um restaurante modesto de subúrbio, localizado próximo da Escola, o qual ficava superlotado de cadetes depois das 17 horas e 30 minutos, após a liberação dos portões da Escola Militar diariamente." "Parecia uma festa àquela hora, as mesas do Sans Souci ficavam cheias de cadetes que ali iam saborear um copo de vitaminas, uma sobremesa, ou mesmo uma bóia diferente do rancho da Escola."
" A algazarra da cadetada se misturava com o som permanente do rádio que ficava no alto tocando as musicas, sucessos carnavalescos de Carmem Miranda, Orlando Silva, Noel Rosa e Francisco Alves.
"Alguns cadetes ficavam de pé na "piruação" e uma vaga nas mesas e todos conversavam animadamente num vozeiro infernal.
" O saguão era ligado a cozinha por uma abertura na parede, por onde iam sendo recolhidos os pratos com as iguarias da casa, entre elas o "completo" que constava de : arroz, batata frita, um suculento bife e em cima dois ovos fritos.
" Esta especiaria da casa era muito apreciada pelos cadetes, e custava naquele tempo apenas 3 mil réis.
" Sempre que o cadete pedia um completo, pedia em seguida o acompanhamento, ou seja meia garrafa e cerveja Malzibier ou uma caneca de vinho rio Grande do Sul".
" O dono do restaurante, Seu Martins", era um português legitimo de grossos bigodes e muito vermelhão que sempre estava atrás da da "registradora" faturando e fazendo o troco.
"Naquele ambiente de descontração os cadetes faziam as suas irreverências, os seus comentários sobre os "frangos", sobre os fatos ocorridos naquele dia nas aulas ou nas instruções, faziam seus planos, seus coméntarios sobre mulheres era a hora do desabafo do cadete." E por falar em mulheres, vale ainda transcrever mais um trecho do livro do -general Lobato Filho, durante o seu " internato" na Escola do Realengo.
" Agora a D. Joaquina ! Mantinha ela com os jovens preparatorianos, não com todos mas com muitos, um comércio de certa mercadoria de que eles não se podiam ir prover na cidade, não só por falta de tempo como porque ali era muito mais cara essa mercadoria indispensável à vida.
“D. Joaquina não tinha empregadas: ela era só na tarefa. Rústica e sem nenhuma compreensão das coisas, a Joaquina parecia Ter idéia de oficializar o seu comércio, pois em certa ocasião, conseguiu iludir os contínuos e chegar até à presença do Comandante, para queixar-se de que era pela "ônzima" vez (11ª) que o cadete Maribondo ia ao seu estabelecimento e não lhe pagava as contas. “Cá está o caderno, Sr. General, saiba V. Excia., que eu vivo disso e está ele a atrapalhar-me o negócio ! (...)
D. Joaquina tinha uma concorrente no mercado clandestino de mercadoria barata e a crédito. Era a Madame Lafitte. A afluência às feiras dessas humanitárias mercadoras (aqueles Bacuraus, como em Recife se denominam as feiras noturnas), era tão volumosa que já a esse tempo, quase formavam filas.
Assim, sob as saudades criadas por mil recordações, iam os novos cadetes, cheios dos projetos, esperanças e sonhos, empreender um prélio acadêmico, na tradicional Escola da Praia Vermelha e todos fixavam um primeiro objetivo - o prêmio de Alferes - aluno, que se achava como que situado no alto de uma escarpa íngreme, áspera e de difícil acesso", conclui Lobato Filho.
A vida dos cadetes do Realengo não era só brincadeira, estudos e irreverências. A Escola em diversos momentos, teve uma presença marcante da historia brasileira, posicionando-se ao lado das forças populares, como em 1904, durante a Revolta da Vacina e em 1922, protestando contra o Governo do presidente Artur Bernardes.
Realengo também serviu como uma espécie de laboratório do Exercito. Tanto para as experiências práticas, como teatro de operações para os treinamentos militares de 1884, sob o comando do Conde D'Eu e outros exercícios semelhantes realizados nas primeiras décadas do período Republicano, como também para adaptar-se às novas teorias militares introduzidas a partir das missões európéias, em particular sob a orientação francesa, prussiana e germânica.
A chamada "Era do Realengo" vai durar até o ano de 1944, quando começa a funcionar o primeiro curso da Academia Militar das Agulhas Negras, no município de Resende.
Sinvaldo do Nascimento Souza
fonte: Região Administrativa de Realengo, confirmado o texto com o próprio autor por email e também no link http://hgpaulo.com/ramaldesantacruz/realg.htm
As terras realengas
As chamadas terras realengas eram públicas. Não podiam ser doadas como foram sesmarias de Cristovão Monteiro, em Santa Cruz, que passaram a propriedade da companhia de Jesus. Eram "realengas", e por isso mesmo destinavam-se à engorda do gado. Ainda assim. "alguns terrenos já haviam sido invadidos por particulares antes de 1660, ano em que os provimentos de Correições definiram como bens do Conselho para uso público e Campo Grande e o Campo de Irajá, conforme Fania Fridman, em seu recente livro "Donos do Rio em nome do Rei - Uma historia fundiária da cidade do Rio de Janeiro" . em co-edição da Zahar com a garamond. " O Alvará é bom que se entenda, era uma espécie de resolução soberana referendada pelo ministro competente a respeito de negócios públicos ou particulares, em geral de efeito temporário. O termo colativo referia-se ao beneficio eclesiático vitalício da então Freguesia Nossa Senhora do Desterro a qual jurisdição estavam inclusas as terras realengas. Estas não poderiam ser alienadas e muito menos transmitidas aos herdeiros, no entanto ficava autorizada a venda em leilão publico com preços estimados judicialmente. Ainda de acordo com Fridman, " pela provisão de 18 de Julho de 1814 e pela portaria de 29 de dezembro de 1815 foram conservadas as casas e terrenos de dez famílias nas terras realengas. Nesta época estabeleceram-se vendas e ranchos até que, em Agosto de 1825, a Câmara, preocupada com os abusos, mandou realizar um vistoria e concordou em manter somente aqueles que pudessem apresentar seus títulos ou que estivessem á beira da estrada, pelo lado direito. Ficou determinado que: 1) seus terrenos não poderiam exceder 30 braças de testada com vinte de fundos; 2)não seriam permitidas novas invasões; 3) houvesse um intervalo de cinquenta braças entre os moradores; 4) este intervalo deveria ser mantido limpo; 5) o foro seria fixado em 200 réis para cada braça de testada. destaquemos que foi mantida a posse de Francisco Joaquim de Menezes , com 65 braças de testada por 50 de fundos, e proibida a utilização para pastagem da parte da sesmaria localizada na Capoeira". O livro de Fania Fridman vem ilustrado com varias plantas de Realengo.
Que nos possibilita visualizar a evolução urbanística daquela área da atual Zona Oeste, que já no inicio da segunda metade do século XIX, iria ocupar um papel destacado no cenário militar. "Em 1857, estas terras, de meia légua e reservadas para pastagem, tornaram-se propriedade da Câmara Municipal. Uma comissão constituída para realizar um planta estabeleceu que todos os foreiros deveriam tirar novas cartas. Foi verificado que 19 prazos possuíam 30 braças de testada, oito com frente variando entre 60 e 130 braças e os demais medindo apenas de 5 a 28 braças. o governo comprou algumas posses para a construção de um aquartelamento militar. o Campo do Marte onde incluía uma Escola de Tiro e a Imperial Academia Militar, estabelecido em 1859. O Realengo foi retalhado, dividindo em quadras regulares estabelecidas ao redor de dois campos e nestas mas os terrenos foram aforados. (...) O Ministério da Guerra construiu um chafariz e encanou a água do Rio Piraquara até o centro do arraial. (...)
“O processo de ocupação transformou o Realengo de Campo Grande em uma zona militar cujo ápice foi o estabelecimento da Escola Preparatória e de Tática e do 1º Batalhão de Engenheiros em 1897. No Largo foram construídas moradias dos operários da Fábrica. Esta mudança de uso, de um povoado agrícola para uma localidade residencial, industrial e de serviços, implicou um processo de urbanização e de valorização fundiária cuja marca foi a de Ter sido empreendido pelo Estado”, acrescenta Fridman.
A Escola de Tiro de Campo Grande
Na verdade deveria chamar-se Escola de tiro do Realengo ( ou pelo menos do Realengo e Campo Grande), uma vez que suas instalações se encontravam nas proximidades do Campo do Marte. Este estabelecimento militar, criado em 1859, fazia parte da pequena rede escolar do Exercito e tinha como finalidade " ensinar o jogo e o tratamento das diferentes armas de fogo e a adestrar oficiais e soldados nas regras práticas do tiro", conforme Decreto 2.42, de 18 de maio de 1858, citado por Jehovah Motta, no livro "formação do Oficial do Exército". O autor desde a metade do século XIX, os nossos chefes militares, ou pelo menos alguns deles, sentiram com acuidade o problema do ensino militar, quiseram no prático e objetivo, bem amarrado a sua destinação especifica" " Assim foi quando imaginaram e criaram a Escola de Tiro de Campo Grande, destinada a fazer tenentes e sargentos conhecedores do armamento e hábeis no tiro, capazes portanto, de como instrutores e monitores, elevar o nível de adestramento da tropa." A Escola de Tiro de Campo Grande encerrou suas atividades em 1865, no mesmo ano em que a Escola Militar da Praia Vermelha ficava reduzida apenas ao curso preparatório, talvez em decorrência aos esforços de guerra, tendo em vista o inicio do conflito com o Paraguai, que somente terminaria cinco anos depois.
Escola Preparatória e de Tática do Realengo
Foi inaugurada em 5 de Junho de 1898. Era destinada ao ensino teórico e prático do curso preparatório para a matricula na Escola Militar do Brasil, sendo frequentada por oficiais e praças de pré do Exército. De acordo com Jehovah Motta, " O pouco que se conseguiu no fortalecimento do ensino técnico-militar e, não correu por conta da Escola Militar do Brasil e sim pelas escolas "preparatórias e de tática" , no Realengo e no Rio Pardo. Não que nestas o "ensino prático" tivesse atingido elevado grau de eficiência, mas de qualquer forma algo se fazia. "O General Leitão de Carvalho foi aluno no Realengo, entre 1898 e 1900, e assim depões. "Sem que atingissem o nivél desejado, as atividades escolares, no 2° ano, melhoraram sensivelmente. Recebendo armamento, o Corpo de Alunos assumiu caráter militar. Começamos a praticar o tiro ao Alvo. Isso sem preparação prévia quanto ao conhecimento do manejo e das qualidades balísticas da arma. O ensino prático pouco a pouco foi tomando forma, com a introdução de algumas novidades, além dos exercícios de ordem unida, completados por marchas e evoluções - mudanças de posição dos elementos constitutivos das unidades, sem objetivo tático - espécie de quadrilha , sem os pares e a música. Uma dessas novidades foi a esgrima de baioneta". (citação de Leitão de Carvalho in "Memórias de um Soldado Legalista v.1. p.22-25). Sobre o prédio onde funcionava a Escola preparatória e de tática do Realengo, Noronha Santos observa: "Funciona em um belo edifício no Campo de Marte, há poucos anos constuido para o quartel de infantaria. Possui vastas acomodações: tem 90,52 m de frente e 101,60m de fundos. O portão principal tem 2,50 m de largura. Situada a direita do leito da estrada de ferro, do lado oposto da estação do Realengo. No edifício da Escola a linha da estrada distam 22.50m.
No pavimento térreo, ficam, para o campo exterior, treze janelas em cada lance, e no pavimento superior, cinco janelas de sacadas. Todo o estabelecimento é iluminado a luz elétrica, existindo no pátio um grande foco de luz. Antes de ser criada a Escola Preparatória e de Tática, esteve aquartelada nesse edifício a Escola de Tiro, extinta em 1897, por ato do governo. As quatro companhias de alunos ocupam igual número de alojamento, ficando do lado direito do edifício a 1ª e 2ª companhias e do lado esquerdo a
3ª e 4ª companhias. Durante a revolta aquartelou no edifício um contingente de guardas nacionais".
O autor das notas do livro " as Freguesias do Rio Antigo vistas por Noronha dos Santos", Paulo Berger, acrescenta que , "com a eclosão , em 14 de novembro de 1904, de um movimento sedicioso politico-militar originário na escola Militar do Brasil da praia Vermelha, por motivo da decretação da vacina obrigatória pelo Governo, e com apoio de grande parte dos alunos da Escola Preparatória e tática do Realengo, houve um colapso nesta instituição de ensino militar, dando-se o seu encerramento."
Posteriormente - acrescenta Berger - , impõe-se a reorganização imediata do ensino militar, e pelo Decreto n° 5.698, de 2 de Outubro de 1905, transforma-se a Escola Preparatória e de Tatica do Realengo em Escola de Artilharia e Engenharia, Escola de Aplicação de Cavalaria e infantaria, e Escola de Aplicação e Engenharia. Em 1911 a Escola de Guerra de Porto Alegre, é transferida para o Realengo, com extinção da Escola de Aplicação de Infantaria e Cavalaria.”
Recordações do Realengo
O General Lobato Filho, autor do livro "A Ultima noite da Escola Militar da Praia Vermelha", dedica uma boa parte da sua obra para falar do Realengo, o qual trata como "triste subúrbio", "Ao chegarem ao Realengo começavam as despedidas. Surgia, então, um pouco de sentimentalismo. Aquela despedida aos velhos companheiros do Realengo era feita sob forte emoção e fazia nascer no intimo do novo cadete do curso superior uma grande saudade. Era como se os cadetes, ao deixarem a Escola preparatória, a absolvessem de dotas as maldades que ela lhes houvesse feito. " Daquele momento em diante o novo cadete da Praia Vermelha passava a ter recordações da vida um pouco menos brilhante, mas nem por isso desinteressante, passada nas Escolas Preparatórias. ninguém poderia esquecer, por exemplo, a noite silenciosa, de luar prateado, no Realengo, em que, altas horas, mesmo de madrugada, quebrando a solidão daquele triste subúrbio, vem chegando até a Escola os sons dolentes e muito sentimentais de uma linda serenata (o violão, a flauta e a voz harmoniosa do trovador, ouvidos muito de longe, lá do fim de uma daquelas estradas vindas da Serra do Barata, do lados de Bangu ou de outros lugarejos onde se realizara algo de interessante para a mocidade, e vem se aproximando vagarosamente da Escola, remexendo os corações dos cadetes os quais, muito mais amigos da Álgebra, da geometria e da Trigonometria do que dos violões, das flautas e dos trovadores, terminando os seus estudos da noite, estavam já mergulhados em sono profundo."
Mais adiante, Lobato Filho faz a pro-memória dos passeios pela antiga Zona Rural: "Muitos guardariam também recordações dos adoráveis piqueniques na Caixa D´água ou na velha fazenda do Gericinó que naquele tempo era somente uma velha fazenda, pois ainda não fora transformada no vasto Campo de Instrução. Para esses passeios aproveitavam-se as combinações de dias feriados e domingos e lá saiam, geralmente alta noite, as grandes caravanas conduzindo os enormes volumes chamados "pianos", contendo aprovisionamentos que eram conseguidos na própria Escola, com autorização do Comando, por conta das etapas dos componentes dos piqueniques. Eram gozados em Gericinó dias de vida campestre, livres das formaturas e, sobretudo, do famigerado toque de lavatório das 4 1/2 da madrugada. os piqueniques levavam sempre uma turma de seresteiros."
"Outros guardariam saudosas recordações das Repúblicas espalhadas pelo Realengo, formadas pelos felizardos cadetes que logravam um desarranchamento e permissão para residir fora da Escola. Eles ostentavam nomes impressionantes: Cabana de Arakém, de visitas e alegres palestras nas horas de descanso e aos domingos."
" O Realengo - continua Lobato Filho - não possuía esse benéfico aspecto (referindo-se ao orgulho manifestado pelos cadetes de Rio Pardo, ao reencontrarem seus notáveis professores na Praia Vermelha), pois eram um lugar onde não se formou nunca uma sociedade de famílias civis nem militares, não obstante existirem ai três grandes estabelecimentos: a Escola, a Fabrica de Cartuchos, o 1° Batalhão de Engenharia. Mas os respectivos professores, oficiais e funcionários residiam na cidade e só permaneciam no Realengo durante as suas poucas horas de trabalho. O Realengo era uma espécie de lugar indesejável", acrescenta o autor.
Mesmo diante dos cáusticos comentários sobre o Realengo, o autor de "A ultima noite da Escola Militar da Praia Vermelha", reserva algumas passagens do seu livro para falar de passagens pitorescas, durante a sua jornada trienal na antiga Escola Preparatória do Realengo.
Merecem um parágrafo especial, no que se refere ás recordações do Realengo, certos fatos talvez um tanto escabrosos que muitos cadetes haviam de querer varrer do espírito, considerando-os como ocorrências do passado, mas que não deixaram de se apresentar, no momento em que as reminiscências não se escondem.
" Uma dessas coisas um tanto escabrosas era o Miguel das Laranjas ou Miguel das Suissas, com as suas dezenas de cadernos de contas velhas e novas, mas todos sabiam que os seus prejuízos não eram muito avultados pois já havia ele acrescido ao preço do custo uma bem grande percentagem de lucro. Ademais, O Miguel gozava das boas palestras dos cadetes.
Outra, era o Sans Souci, o célebre e restaurante do Mário que depenava os cadetes com os seus preços arbitrários; mas o Sans Souci era uma defesa contra o rancho da Escola." Quem também se refere ao Restaurante Sans Souci, é João de Abreu Lins, no seu livro intitulado "Memórias do Realengo", editado pelo Governo do Estado de São Paulo, em 1984.
" Era um restaurante modesto de subúrbio, localizado próximo da Escola, o qual ficava superlotado de cadetes depois das 17 horas e 30 minutos, após a liberação dos portões da Escola Militar diariamente." "Parecia uma festa àquela hora, as mesas do Sans Souci ficavam cheias de cadetes que ali iam saborear um copo de vitaminas, uma sobremesa, ou mesmo uma bóia diferente do rancho da Escola."
" A algazarra da cadetada se misturava com o som permanente do rádio que ficava no alto tocando as musicas, sucessos carnavalescos de Carmem Miranda, Orlando Silva, Noel Rosa e Francisco Alves.
"Alguns cadetes ficavam de pé na "piruação" e uma vaga nas mesas e todos conversavam animadamente num vozeiro infernal.
" O saguão era ligado a cozinha por uma abertura na parede, por onde iam sendo recolhidos os pratos com as iguarias da casa, entre elas o "completo" que constava de : arroz, batata frita, um suculento bife e em cima dois ovos fritos.
" Esta especiaria da casa era muito apreciada pelos cadetes, e custava naquele tempo apenas 3 mil réis.
" Sempre que o cadete pedia um completo, pedia em seguida o acompanhamento, ou seja meia garrafa e cerveja Malzibier ou uma caneca de vinho rio Grande do Sul".
" O dono do restaurante, Seu Martins", era um português legitimo de grossos bigodes e muito vermelhão que sempre estava atrás da da "registradora" faturando e fazendo o troco.
"Naquele ambiente de descontração os cadetes faziam as suas irreverências, os seus comentários sobre os "frangos", sobre os fatos ocorridos naquele dia nas aulas ou nas instruções, faziam seus planos, seus coméntarios sobre mulheres era a hora do desabafo do cadete." E por falar em mulheres, vale ainda transcrever mais um trecho do livro do -general Lobato Filho, durante o seu " internato" na Escola do Realengo.
" Agora a D. Joaquina ! Mantinha ela com os jovens preparatorianos, não com todos mas com muitos, um comércio de certa mercadoria de que eles não se podiam ir prover na cidade, não só por falta de tempo como porque ali era muito mais cara essa mercadoria indispensável à vida.
“D. Joaquina não tinha empregadas: ela era só na tarefa. Rústica e sem nenhuma compreensão das coisas, a Joaquina parecia Ter idéia de oficializar o seu comércio, pois em certa ocasião, conseguiu iludir os contínuos e chegar até à presença do Comandante, para queixar-se de que era pela "ônzima" vez (11ª) que o cadete Maribondo ia ao seu estabelecimento e não lhe pagava as contas. “Cá está o caderno, Sr. General, saiba V. Excia., que eu vivo disso e está ele a atrapalhar-me o negócio ! (...)
D. Joaquina tinha uma concorrente no mercado clandestino de mercadoria barata e a crédito. Era a Madame Lafitte. A afluência às feiras dessas humanitárias mercadoras (aqueles Bacuraus, como em Recife se denominam as feiras noturnas), era tão volumosa que já a esse tempo, quase formavam filas.
Assim, sob as saudades criadas por mil recordações, iam os novos cadetes, cheios dos projetos, esperanças e sonhos, empreender um prélio acadêmico, na tradicional Escola da Praia Vermelha e todos fixavam um primeiro objetivo - o prêmio de Alferes - aluno, que se achava como que situado no alto de uma escarpa íngreme, áspera e de difícil acesso", conclui Lobato Filho.
A vida dos cadetes do Realengo não era só brincadeira, estudos e irreverências. A Escola em diversos momentos, teve uma presença marcante da historia brasileira, posicionando-se ao lado das forças populares, como em 1904, durante a Revolta da Vacina e em 1922, protestando contra o Governo do presidente Artur Bernardes.
Realengo também serviu como uma espécie de laboratório do Exercito. Tanto para as experiências práticas, como teatro de operações para os treinamentos militares de 1884, sob o comando do Conde D'Eu e outros exercícios semelhantes realizados nas primeiras décadas do período Republicano, como também para adaptar-se às novas teorias militares introduzidas a partir das missões európéias, em particular sob a orientação francesa, prussiana e germânica.
A chamada "Era do Realengo" vai durar até o ano de 1944, quando começa a funcionar o primeiro curso da Academia Militar das Agulhas Negras, no município de Resende.
Sinvaldo do Nascimento Souza
fonte: Região Administrativa de Realengo, confirmado o texto com o próprio autor por email e também no link http://hgpaulo.com/ramaldesantacruz/realg.htm
A Regional de realengo foi elaborada por Constantino Roberti e aprovada pelo prefeito Cesar Maia , sendo criada no governo do prefeito Conde. O projeto foi executado por Gloria Camargo Varela {presidente da associãção de moradores do parque real ) com objetivo de desenvolvimento para o bairro já que a RA de bangu nâo suportava tantos pedidos de socorro para realengo. A PA ocupava uma area de bangu a deodoro e parte.
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